Obrigada

Despi-me lentamente… Sem pensar no que fazia! Dentro de mim rodopiavam ideias, confusões e a eterna e incomoda parvónia! Liguei a água do chuveiro e retirei as últimas peças de roupa… Naquele invólucro de tijoleira fria, um arrepio percorreu o meu corpo e por momentos, parei em frente ao espelho a olhar um corpo estranho e disforme, coroado pela pele crespa do frio! Rapidamente a parvónia me invadiu de novo e os pensamentos recomeçaram… antes que ela ganhasse espaço e tempo, saltei para o chuveiro!
Fechei os olhos e deixei-me molhar pela água quente, que lentamente foi estabilizando a minha pele… No escuro de mim mesma, deixei-me imaginar… Estava numa estrada, povoada de gente, de carros, de velocidade, de confusão… De um lado estavas tu, do outro, uma vida desconhecida! Olhei-a de relance… parece-me tão sem sabor! Tu de costas voltadas… Eu com a certeza ingrata, de que podia chamar o teu nome, podia grita-lo que tu não olharias para trás! Chovia terrivelmente e eu sei que por entre as gotas frias, chorava baixinho!
Sabia de onde fora buscar todas aquelas imagens, a um texto que acabara de ler… Senti-me viva dentro daquelas palavras e personifiquei em imagens tudo o que lia! Foi ali, no banho depois de mais um dia estafante, que tudo se manifestou… porém, a historia não era a mesma! O tempo, era bem mais avançado… só uma coisa era comum, tu!
Enquanto me fui deixando perder nos pensamentos, lembrei as palavras de alguém… “Como é possível haver tanta confusão aí dentro? Como é possível que no meio disto tudo, seja tão fácil julgar-te mal?”. Sorri enternecida! Em alguns momentos da vida, palavras como aquelas, ou como o simples “obrigado” que acabaram de ler, fazem-nos rejuvenescer, voltam a restaurar a vitalidade, a esperança…
É verdade, estou no meio da estrada, a sentir o sabor e o frio(ou ausência de calor) da chuva… pessoas que me embatem, rostos, sorrisos, olhares, vidas… imensas vidas! Presa na confusão de mim mesma, na angústia que vãmente tento arrancar do peito, do pensamento… Posso passar para o outro lado, posso ficar aqui no meio, mas não sei se posso voltar para o lugar onde te encontras…
Para mim, algumas mãos se estendem, mais do que as que esperava, confesso! Mas sou eu que não as aceito, porque não faz simplesmente… sentido! Escuto, agradeço, abraço mas seguir com eles, não!
“Nesta terra, esperança é uma palavra vã!”. Quantas vezes disse isto? A verdade é que hoje isso se inverte… Esperança, inunda-me e tudo isso, porque no momento certo, naquele em que me deixar atropelar por um qualquer carro desta estrada parecia ser a única saída, alguém chega e na sua humilde simplicidade me faz sorrir e querer ficar! Não importa se aqui no meio ou se noutro lado qualquer, importa ficar e contrariar a parvónia que ás vezes me transcende!
Desligo a torneira! Foi revitalizante este banho quente, foi positivo perder-me desta vez em imagens e pensamentos, ao contrario do que acontece normalmente… Seco o meu corpo e inesperadamente, um sorriso brinda-me no espelho!
Agora é a minha vez: obrigada!
Filipa Castro
21-10-2006